SALDO DE TESOURARIA

Usamos duas definições do Saldo de Tesouraria, uma por dentro e outra por fora.

Definição “por dentro”

O Saldo de Tesouraria (T) é obtido pela diferença entre o ativo financeiro circulante (ATIVO ERRÁTICO) e o passivo financeiro circulante (PASSIVO ERRÁTICO). Um T positivo indica que a companhia tem dinheiro suficiente para lidar com obrigações financeiras de curto prazo sem reduzir os recursos alocados no ciclo operacional.

Definição “por fora”

O Saldo de Tesouraria não é somente a diferença entre ativos e passivos erráticos, mas também é a diferença entre CDG e NCG. Essa é a segunda equação fundamental

Enquanto é difícil avaliar o risco de deterioração do saldo de tesouraria a partir “de dentro” (das Contas Erráticos) como a equação (1) faz, a equação (2) torna possível monitorar as mudanças em T a partir de mudanças no CDG e no NCG.

Definição “por dentro”

Uma empresa pode financiar o aumento de suas dívidas de curto prazo (a diferença entre o Ativo Errático e o Passivo Errático) avaliando os diferentes tipos de credores, mas isto é perigoso. Uma importante função da diretoria financeira de uma empresa é acompanhar a evolução do Saldo de Tesouraria, a fim de evitar que permaneça constantemente negativo e crescente.

A maioria das empresas que operam com T crescentemente negativo apresenta uma estrutura financeira inadequada, revelando uma dependência excessiva de empréstimos a curto prazo, que poderá levá-las, até mesmo, ao estado de insolvência. De modo geral, essas empresas enfrentam sérias dificuldades para resgatar seus empréstimos a curto prazo, quando os bancos, por qualquer motivo, se recusam a renová-los.

O problema de liquidez das empresas que apresentam T negativo torna-se crítico em períodos de recessão econômica, quando uma diminuição substancial das vendas provoca um aumento, também substancial, da sua Necessidade de Capital de Giro. Isso ocorre porque, nessas condições, o Autofinanciamento não é suficiente para financiar o aumento da Necessidade de Capital de Giro, obrigando as empresas, para esse fim, a recorrer a fundos externos: empréstimos a curto e/ou longo prazo e aumentos de capital social (em dinheiro). Caso esses fundos não possam ser obtidos, o que ocorre frequentemente em períodos de recessão econômica, essas empresas terão a sua própria sobrevivência ameaçada.

Além disso, e principalmente, o Saldo de Tesouraria tornar-se-á cada vez mais negativo com o crescimento rápido das vendas, se a Necessidade de Capital de Giro aumentar, proporcionalmente mais do que o Autofinanciamento, e a empresa não conseguir aumentar seu Capital de Giro por meio de fontes externas. Esse crescimento do Saldo de Tesouraria negativo, denominado de “Efeito Tesoura”, será analisado a seguir.

O Saldo de Tesouraria, que representa a diferença entre o Ativo Errático e o Passivo Errático, é o termômetro dos riscos resultantes do descompasso entre esses ativos e passivos.

Há quatro riscos resultantes desse descompasso: liquidez, mercado, contraparte e risco de garantia.

Risco de liquidez é o risco que o tomador de empréstimo tem de não conseguir acessar fundos que são necessários. Este risco pode surgir de diversas maneiras. Por exemplo, um banco pode mudar seu limite de crédito de contrapartida, reduzindo o montante que está disposto a emprestar para a empresa. Eventos de mercado podem reduzir o apetite dos investidores por debêntures ou outros títulos privados, como papéis comerciais emitidos pela própria companhia. Risco de mercado é o risco no qual mudanças nos preços de mercado afetam o custo real de financiamento. No caso de empréstimos de curto prazo, as empresas estão mais vulneráveis à taxa de juros e risco cambial.

Risco da contraparte é o risco de que as decisões de um credor resultem em um aumento dos custos de financiamento ou até na completa remoção do financiamento. Isso pode ocorrer de diversas formas: um banco pode exercer uma cláusula material de mudança adversa, resultando em um custo adicional de empréstimo; um banco pode encerrar linhas de crédito especiais e automáticas; ou uma empresa de factoring pode aumentar o custo de empréstimo, depois de dificuldades em receber dos clientes do credor.

Risco de garantia é o que acontece quando a empresa viola uma cláusula dos contratos de empréstimo (covenants). Pode resultar em multas significativas ou até no início de processos de falência por negligência. Há um risco adicional de que sistemas utilizados para monitorar padrões falhem em antecipar uma possível infração e a empresa falhe em uma cláusula inadvertidamente.

Definição “por fora”

Como podemos monitorar a liquidez de uma companhia, e seu saldo de tesouraria, através das Contas Erráticas, que são imprevisíveis por definição? Instituições financeiras não podem fazê-lo facilmente por causa da natureza estocástica de ativos e passivos financeiros irregulares. Contudo, firmas industriais e não-financeiras podem monitorar sua liquidez.

Podemos ver que o saldo de tesouraria (T) não é somente a diferença entre Ativos e Passivos Erráticos, mas também é a diferença entre CDG e NCG. Essa é a segunda equação fundamental

Se o Capital de Giro for insuficiente para financiar a Necessidade de Capital de Giro, o Saldo de Tesouraria será negativo . Neste caso, o Passivo Errático será maior do que o Ativo Errático. Isto indica que a empresa financia parte da Necessidade de Capital de Giro e/ou Ativo Permanente com fundos de curto prazo, aumentando portanto seu risco de insolvência.

Se o Saldo de Tesouraria for positivo, a empresa disporá de fundos de curto prazo que poderão, por exemplo, ser aplicados em títulos de liquidez imediata (open market), aumentando assim a sua margem de segurança financeira.

É importante observar que um Saldo de Tesouraria positivo elevado não significa necessariamente uma condição desejável para as empresas; pelo contrário, pode significar que a empresa não esteja aproveitando as oportunidades de investimentos propiciadas por sua estrutura financeira, caso em que o Saldo de Tesouraria “engorda” por falta de uma estratégia dinâmica de investimentos.

Enquanto é difícil avaliar o risco de deterioração do Saldo de Tesouraria a partir “de dentro” (das Contas Erráticos) como a equação (1) faz, a equação (2) torna possível monitorar as mudanças em T a partir de mudanças no CDG e na NCG.

Chamaram-se VarT de mudanças em T, VarCDG de mudanças em CDG e Var NCG de mudanças em NCG:

No Modelo Dinâmico, desenvolvemos uma análise baseada na dinâmica do Saldo de Tesouraria (o Efeito Tesoura) para reconhecer e analisar a fundo os riscos que surgem de fraquezas do balanço patrimonial corporativo.

O Efeito Tesoura não significa que a empresa tem problemas graves, mas é um alerta para uma situação de liquidez que se deteriora, podendo comprometer o financiamento do crescimento futuro.

O Saldo de Tesouraria depende da maneira que a empresa cobre a Necessidade de Capital de Giro. No ciclo operacional, a Necessidade de Capital de Giro irá se expandir com aumento das vendas e diminuir com queda nas vendas. Se a Necessidade de Capital de Giro é financiada somente por Capital de Giro (que é definido como sendo fundos próprios, dívidas financeiras de longo prazo e disposições menos ativos fixos), o Saldo de Tesouraria é positivo e, consequentemente, o Ativo Errático excede o Passivo Errático (as dívidas financeiras de curto prazo). Se o Capital de Giro não cobre os requerimentos totais, a diferença é financiada por endividamento financeiro de curto prazo e o Saldo de Tesouraria é negativo. Quando o Passivo Errático excede muito o Ativo Errático e a diferença é crescente, a firma pode entrar no Efeito Tesoura.

Essa identidade T = CDG – NCG reflete a dinâmica da empresa (por isso o nome Modelo Dinâmico) e a maneira que a empresa financia seus ativos fixos e seu capital de giro.

Já que CDG = Recursos de Longo Prazo – Ativos de Longo Prazo, outra equação fundamental:

A crise de liquidez pode ocorrer quando empresas usam de modo crescente dívidas de curto prazo líquidas (VarPassivos Erráticos – VarAtivos Erráticos) para comprar ativos de longo prazo e investem em necessidade de capital de giro (VarALP + VarNCG). Esse é o Efeito Tesoura.

O Efeito Tesoura

De modo geral, o “Efeito Tesoura” ocorre quando estão presentes as seguintes condições:

  1. As vendas da empresa crescem a taxas anuais elevadas.
  2. A relação NCG sobre vendas mantém-se, substancialmente, mais elevada do que a relação autofinanciamento e vendas, durante o período de crescimento das vendas (considerando-se que ambas as relações sejam positivas.)
  3. Durante o período de crescimento das vendas, as fontes externas que aumentam o Capital de Giro são utilizadas somente para novos investimentos em bens do ativo permanente que, por sua vez, diminuem o Capital de Giro.

O Efeito Tesoura ocorre com maior frequência durante a fase inicial e de rápido crescimento das pequenas e médias empresas, podendo também ocorrer em grandes empresas, quando as vendas crescem rapidamente.

Assim, mesmo que, durante a fase de crescimento rápido das vendas, as empresas aumentem seu Capital de Giro por meio de empréstimos a longo prazo e/ou aumentos de capital social (em dinheiro), o Efeito Tesoura poderá ocorrer, desde que esses fundos externos sejam utilizados unicamente para financiar novos investimentos em bens do ativo permanente.

A fim de evitar o Efeito Tesoura, as empresas devem planejar a evolução do Saldo de Tesouraria. A evolução do Saldo de Tesouraria depende de variáveis que afetam o Autofinanciamento, a Necessidade de Capital de Giro e de decisões estratégicas, que modificam o Capital de Giro. O Autofinanciamento e a Necessidade de Capital de Giro são em grande parte determinados pelo nível de atividades da empresa, enquanto as decisões estratégicas que envolvem novos investimentos em bens do ativo permanente, empréstimos a longo prazo etc., devem ser tomadas considerando-se a necessidade de se estabelecer uma relação adequada entre o crescimento do Capital de Giro e a evolução da Necessidade de Capital de Giro da empresa.

Para evitar o Efeito Tesoura, o autofinanciamento da empresa deve ser suficiente para financiar, pelo menos, os aumentos de sua NCG. Esta é uma regra ditada pela experiência. A ela nos prendemos por quatro motivos:

  • Primeiro: as operações correntes dão origem a uma necessidade de financiamento permanente, a saber a NCG. O crescimento aumenta essa necessidade de fundos. Por sua vez as operações geram o autofinanciamento, que representa um recurso permanente. Para que haja equilíbrio, é necessário que as necessidades sejam contrabalançadas pela geração de recursos.
  • Segundo: o Capital de Giro deve acompanhar sempre a evolução da NCG para que a situação da empresa não se deteriore. Os responsáveis pela área financeira das grandes sociedades multinacionais vêm negligenciando cada vez mais a importância do Capital de Giro e seus efeitos limitadores sobre as decisões financeiras. Para eles os empréstimos de curto prazo habitualmente renovados equivalem a um recurso permanente. Pode-se até aceitar que isso seja verdade se o mercado financeiro estiver disposto a sempre refinanciar esse crédito bancário. Mas certamente isso não é verdade com relação às pequenas e médias empresas, pois elas não têm poder de pressionar seus banqueiros e fazê-los renovar regularmente seus empréstimos e até mesmo aumentá-los, como costuma ser o caso das grandes corporações. É bom também pensar o que vai acontecer quando os mercados financeiros se contraem, como foi o caso em 2008.
  • Terceiro: até prova em contrário, as empresas de médio porte devem oferecer garantias para conseguir empréstimos de médio ou de longo prazos. Para os bancos, os investimentos industriais ou financeiros são mais atraentes do que a aplicação de seus recursos no financiamento dos aumentos da necessidade de capital de giro das empresas, porque os primeiros oferecem melhores garantias para contrabalançar os riscos. Daí porque esses aumentos devem ser, preferencialmente, autofinanciados. De modo geral, o aumento do endividamento a longo e médio prazos, não é adequado para melhorar o Capital de Giro de forma sustentável. Esses financiamentos preparam ou cobrem os investimentos. Se aumentarmos o endividamento à direita do balanço e se investimos à esquerda, o capital de giro pouco irá variar.
  • Quarto: esta é uma razão fundamental. Se a empresa financia o aumento da necessidade de capital de giro através de endividamento ou aporte de capital, ela diminui suas chances de financiar as necessidades futuras mediante autofinanciamento. O aumento de capital leva posteriormente à distribuição de dividendos e, portanto, à diminuição da reserva de lucros. Já o aumento do endividamento leva a despesas financeiras suplementares que irão diminuir os resultados futuros, logo o autofinanciamento. A prudência aconselha, pois, a autofinanciar as necessidades suplementares de capital de giro. Caso contrário, a empresa vai sofrer as agruras do Efeito Tesoura.

Muitas empresas geram autofinanciamento corrente pequeno, e por isso, entram no Efeito Tesoura! Um administrador de empresas imprudente acompanha encantado o aumento de suas vendas, que ele registra mensalmente sobre um gráfico, para mostrar à diretoria. Através da contabilidade ele calcula trimestralmente o seu autofinanciamento e crê que dessa forma supervisiona o crescimento da empresa. Calcula também, anualmente, o Capital de Giro e verifica que ele é positivo mas decrescente. É verdade que esta empresa investe regularmente, o que é normal em uma situação em que a empresa gera autofinanciamento e o mercado está em crescimento. Mas, um belo dia, um de seus banqueiros lhe mostra que o seu “a descoberto” atingiu proporções catastróficas. A tesoura acabou de cortar e faz-se necessário juntar os cacos…